Aromáticas de uma nota só

António Carlos Andrade, promotor da Planta do Xisto. Foto: Turismo Centro de Portugal

Os socalcos que abraçam o vale da Cerdeira parecem linhas de uma pauta. Talvez por isso, António Carlos os veja como a música. Na aldeia do xisto perto da Lousã onde é o único residente permanente, ele não ensina a tocar o instrumento musical que estudou no Conservatório de Aveiro e no qual se tornou exímio executante e competente professor.

Longe vão os tempos em que passava horas a tocar a mesma nota na procura da perfeição, a afinar as unhas para tirar o melhor som, a trabalhar obsessivamente articulações e músculos para apurar o domínio técnico e poder ensinar pelo exemplo. A disciplina e a persistência, treinou-as na guitarra muito antes de se tornar cuidador da terra e produtor de aromáticas.

Quando chegou à Cerdeira, pensou em ser pastor de cabras. Pareceu-lhe um caminho natural para quem escolhia viver numa aldeia do xisto perdida na serra da Lousã. Mas depressa percebeu que o rigor nos dedos e a precisão do gesto ganhos na guitarra podiam servir-lhe melhor se aplicados à gestão do espaço rural. Escolheu as aromáticas como negócio e as espécies autóctones como estratégia para proteger a aldeia dos incêndios e criar uma atividade económica sustentável.  

Recuperou casas e reverteu terrenos abandonados para o cultivo como quem toca uma melodia escrita antes de nós. Ano após ano, limpou infestantes e foi conquistando terreno arável para o modo biológico. De um trabalho discreto, quase sempre solitário, nasceram espécies e as suas marcas – Planta do Xisto e Ecologic Restore Centre Cerdeira – abrindo novas possibilidades para este território que hoje integra a Rede de Aldeias do Xisto.

Mais de uma vintena de infusões, doces caseiros e sal aromático são a parte visível e o financiamento para o trabalho de restauro ecológico e gestão sensata da paisagem.

Secagem de folhas de oliveira, Planta do Xisto. Foto: Turismo Centro de Portugal

As aromáticas e as infusões carregam esse livro invisível de gestos e ajudam a dar viabilidade a uma pequena economia local que mantém gente na aldeia e impede a Cerdeira de se tornar apenas cenário para turista ver. A venda da produção contribui para uma alimentação saudável e segura, protege o ambiente, o solo e a água, recupera terras degradadas e trava a erosão. E ainda impulsiona um desenvolvimento local ligado à natureza, responsável e de qualidade.

Hoje a Cerdeira Home for Creativity vive de cruzamentos improváveis – agricultura, arte, turismo, ofícios, experimentação. O António é uma das suas notas, uma presença que não procura palco, mas mantém a harmonia. Com ele podemos aprender a reconstruir muros de pedra seca ou falar sobre agricultura sustentável e gestão de espaço rural, enquanto saboreamos uma infusão de lúcia-lima nascida a partir das suas terras de xisto. Visitar a Cerdeira é mais do que ser um turista, é sentirmo-nos habitantes das Aldeias do Xisto.

Nota: os Gastronautas estiveram em Cerdeira a convite do Turismo Centro de Portugal.

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