Alcomonias
Augusto e Isalina Aragão na fase final da preparação das alcomonias. Foto de Luís Neves
Isalina Aragão trabalhou mais de quatro décadas no hospital de Santiago do Cacém. Agora que está reformada, o tempo tem outro tempo e ocupa-o a fazer um doce característico de Santiago que aprendeu com a mãe, que já tinha aprendido com a sua mãe, e assim sucessivamente até tempos imemoriais. Segundo reza a lenda, iguaria de origem árabe, tal como o nome leva a crer.
O doce, uma espécie de bolacha em forma de losango, chama-se Alcomonias e tem como ingredientes o mel, farinha de trigo integral torrada, açúcar amarelo, pinhão e água.
Isalina herdou da mãe a experiência de mais de 60 anos a preparar as Alcomonias que vendia carregadas à cabeça nas feiras do Monte (primeiro fim-de-semana de setembro), de Melides (terceiro fim-de-semana de novembro) e de Santo André (30 de novembro e 1 de dezembro). De tanto ver, Isalina fá-las a olho, por norma às quartas-feiras, com a ajuda do marido, Augusto, profissional de seguros também reformado.
As tarefas estão bem divididas. Isalina aquece a água e o açúcar num tacho de cobre próprio para o efeito. Deita uma porção de pinhões torrados e deixa levantar fervura. Depois acrescenta a farinha e já fora do lume vai mexendo com mestria, juntando mais farinha e continuando a envolver até ganhar a consistência desejada. Depois estende a massa numa mesa de madeira (mandada fazer para o efeito), e com o rolo trabalha-a até ter cerca de meio centímetro de espessura. A meio desse processo passa a tarefa ao marido que termina de estender a massa e depois, com recurso a uma régua desenhada por si para esta função e uma faca, corta em tiras e a seguir em losangos com a ajuda de um molde. Já cortadas, as bolachas voltam para as mãos de Isalina que as coloca em cima de um pano para secarem antes de serem embaladas. Provam as sobras para atestar que estão no ponto.
Isalina e Augusto gostam de falar sobre a história deste doce raro e desconhecido no resto do país. Cúmplices na vida e na confeção das Alcomonias, mostram o amor que se pode ter por uma herança que ajudam a transmitir a partir da sua casa das Ademas. Tudo é feito pelo casal, com carinho e respeito mútuo. O pinhão vem de Alcácer, a farinha integral é torrada e peneirada em casa, o mel é da região e a régua de corte e o molde foram pensados e executados por Augusto para facilitar o trabalho.
As Alcomonias da Isalina e do Augusto são uma obra de arte, testemunho de respeito pelos ingredientes, terra onde nasceram e as suas gentes.
Sugestão de leitura: A Doçaria Portuguesa (sul), de Cristina Castro, responsável pelo projeto No Ponto.
Nota: Este conteúdo foi desenvolvido no contexto da nossa colaboração com os Octant Hotels no projeto Latitude.