Coincidências à mesa

Olga Cavaleiro na Arquivo em Leiria. Photo by Filipe Gill

Há dias assim, tudo se alinha sem aviso.

Começando pelo início, encontrámos a Olga Cavaleiro na Livraria Arquivo, em Leiria. Entre livros, percorremos o país de lés a lés, norteados pelos mapas da gastronomia portuguesa e das cozinhas regionais que a Olga organizou fruto de anos e anos de investigação. “Somos o que comemos e o que comemos está na natureza.”, resume com a clareza e a sabedoria de quem mastiga bem as ideias.

A origem das cozinhas regionais está longe de ser uma invenção da propaganda de um regime autoritário designado por uma apelido de rapa tachos – Salazar, embora por ele possa ter sido utilizada como construção de identidade. Como tantos outros aspetos da Cultura. Olga dá exemplos de como os grandes escritores de oitocentos escreveram sobre receitas, pratos e ingredientes em contextos locais e da importância desse registo na génese daquilo a que hoje chamamos cozinhas regionais. Quem não se lembra dos repastos de Jacinto da Cidade e das Serras? A quem Eça deu palavra e vida.

Digerindo ainda a conversa, pego no livro que havia trazido para ler nestes dias no oeste. Nas primeiras páginas percebo que “Ele tinha feito anos neste dia e enchera-se de capão com arroz açafroado e de muito vinho de Amarante, com muita aletria engrossada de ovos e letras de canela”. Ele é Eusébio Macário, curiosa personagem literária de Camilo Castelo Branco. Vou continuar a embrenhar-me nesta prosa.   

Lá está, penso, o que falávamos na Arquivo. Algumas páginas depois, desvio o olhar e entretenho a vista num zapping de canais. Paro no serviço público de TV num programa em que Jorge-Reis Sá conversa com Francisco José Viegas. Conversam sobre Camilo. Coincidência. Os argumentos giram em torno da gastronomia na obra de Camilo. “Não há personagem que não tenha apetite em Camilo”, termina o programa Viegas a dizer.     

Caraças, ele há coincidências! Ou será uma qualquer ordem secreta que sabe que o apetite é um traço de carácter e a gula é a mais humana das virtudes? Camilo entendia isso. Olga também. Viegas, confirma. E nós, Gastronautas, andamos por aí a apanhar pontas soltas e a farejar coincidências: entre livros e tachos, entre frases e garfadas, entre montes e vales – fazemos a nossa cartografia.  

Sugestões de leitura:

Eusébio Macário, de Camilo Castelo Branco

Portugal Gastronómico, A Gastronomia Portuguesa e as Cozinhas Regionais de Olga Cavaleiro

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