Conversa com um queijo

Queijeiras - As Guardiãs da Montanha. Foto: Turismo Centro de Portugal

Ofereceram-me um queijo Serra da Estrela, no final de um almoço na Quinta das Levadas. A este repasto voltaremos um dia, merece tempo e dedicação exclusiva.

Foquemo-nos no queijo. Já em casa, longe do local da origem, encaro-o de frente, antes de o abrir. O queijo vem aconchegado por uma cinta de gaze e um rótulo que anuncia o produtor. Impressiona logo pelo aroma característico. Se fosse conhecedor, talvez esse cheiro me dissesse muito da qualidade e das características do produto. Ou a cor, ou o toque, ou a consistência. Não é o caso. 

Belo presente, sem dúvida. Ainda sem o provar, decido começar a “conversar” com ele. Para saber mais. Enquanto objeto, é magnífico. Intuo, moldado por mãos à temperatura certa, com a mestria de quem trata do que é sagrado com o respeito do tu-cá-tu-lá.  

Ingredientes, apenas três: leite cru de ovelha Serra da Estrela, flor de cardo e sal. Simples, assim parece para quem ignora o saber e a complexidade decantados por gerações e gerações num queijo que abrimos.   

O rótulo, tal como qualquer bilhete de identidade, refere o nome da casa produtora e ostenta o selo de Denominação de Origem Protegida (DOP). “Sim, senhor, és um queijo e peras, como deve ser” - atiro-lhe com o olhar.  

Queijaria Estrela Artesanal, de Lagares da Beira, Oliveira do Hospital. Fico a saber. O que está por trás de um rótulo, além de uma pasta arredondada de forte e característico aroma que se espalha agora pela minha cozinha? 

É pergunta para queijo dir-se-ia se fosse um jogo. Na estante de livros encontro Queijeiras - As Guardiãs da Montanha, uma edição da Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede de Aldeias de Montanha, uma espécie de dicionário sentimental a que recorro para saber mais sobre este queijo. 

Entre o retrato de 42 queijeiras, guardiãs e mulheres de fibra a quem devemos a sobrevivência desta arte/ofício, descubro o rosto e as mãos do meu queijo. Maria Judite Figueiredo e a sua família. Leio a sua história e tenho a certeza de que no meu queijo está o saber/sabor ancestral da montanha Estrela.  

Maria Judite Figueiredo, uma das mulheres queijeiras guardiãs da montanha.
Foto de Luís Neves

Percorro cada uma das restantes biografias e retratos destas mulheres queijeiras, dos seus sonhos e vitórias, dificuldades e derrotas, histórias de vida, enfim, e fico com vontade de voltar à Serra à procura dos seus queijos. Porque cada um deles é único, como são estas guardiãs da montanha.  

E agora, se me dão licença, vou abrir o queijo.


Nota: os Gastronautas visitaram a Quinta das Levadas a convite do Turismo Centro de Portugal.

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