Filhós e Estrelas no Fajão

Lurdes Batista e as “suas” filhós. Foto do Turismo Centro de Portugal

Lurdes Batista descreve as filhós como se estivesse a falar das estrelas de uma constelação vista a partir do telescópio do seu filho Samuel, numa noite de inverno na aldeia do Fajão. O entusiasmo de ambos vê-se nos olhos, tal mãe tal filho. As filhós que a mãe aprendeu a fazer aos quinze anos, “eram na altura o doce dos pobres”, diz-nos. Agora ao chegar aos setenta, continua a fazê-las. “É bom para os teimosos, porque para ficarem bem têm de levar suor da testa”, conta. A imagem é forte e explica a dificuldade de amassar e estender (espichar) a massa. Apesar da idade, Lurdes continua a fazer tudo à mão. Antigamente, no Natal, no Souto do Brejo em Janeiro de Baixo, da mesma massa faziam os bolos de azeite. Lambra. Os tempos eram difíceis. 

A receita das filhós espichadas ou filhós do ar, como também eram chamadas, di-la de cor e salteado. São quatro quilos de farinha, um de açúcar, quarenta ovos, uma bica de azeite, meio cálice de bagaço, umas pedrinhas de sal e trinta gramas de fermento por quilo de farinha. Para uma dose mais pequena em casa basta fazer as proporções. Tradicionalmente, a massa levedava coberta por umas calças ou casado de um “homem macho”, diziam, para fintar (levedar) mais rápido. 

Assim que a massa está levedada, Lurdes pega numa pequena bola, coloca-a na palma da mão e vai esticando, esticando com os dedos até ficar com a forma desejada. Há também quem o faça no joelho. Depois de fritas, estaladiças e saborosas, gosta de comê-las com queijo. 

Samuel Batista, um dos promotores do GeoScope. Foto de Luís Neves

Samuel conhece as filhós da mãe desde que se lembra. Trata-as, assim como as estrelas, por tu. Um telescópio oferecido na infância despertou-lhe o gosto e o interesse pelos astros. Astrónomo amador, desde 2018, é um dos dinamizadores do GeoScope - Observatório Astronómico de Fajão. Ali criou um produto inovador, ao misturar atividade física com a interpretação das constelações no céu nocturno. Fajão tem condições excelentes para observar os astros, está a mil metros de altitude, o tempo é seco, não há neblina marítima nem poluição luminosa. No cimo da colina está instalado o dome - estrutura para observação do céu escuro que permite fazer pedagogia sobre astronomia.  

Quem preferir uma experiência mais radical pode observar os astros de noite a partir de uma canoa nas águas da baragem de Santa Luzia, ali bem perto. Ou, durante o dia, observar a superfície e a atmosfera do sol ao telescópio. 

Samuel aprendeu com a mãe o gosto por falar das coisas de que gostam na sua terra. A comer filhós ou a ver estrelas, ambos são verdadeiros embaixadores das Aldeias do Xisto


Nota: os Gastronautas visitaram Fajão a convite do Turismo Centro de Portugal. Sugere-se a visita ao Museu Monsenhor Nunes Pereira. Mais informações sobre programas em Fajão na Epic Land e Book in Xisto.  

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