A magia do Café de balão

Café de balão: o kit completo. Foto de Luís Neves

Bebi muito café em criança, sem sequer o provar. No final do almoço, o balão vinha para a mesa. Moía-se os grãos de café, no momento. Apenas a quantidade para a ocasião.  

A magia acontecia sempre. A água subia pela cânula, invadia o balão de cima, misturava-se com o pó de café e descia já com cor. Parecia um laboratório.

O aroma espalhava-se no ar. Sabe ao que cheira, pensava eu. 

Todos os dias era uma novidade, apesar do ritual e procedimentos serem iguais. O espanto aos olhos de uma criança, repetia-se. Como se fosse sempre a primeira vez.  

À volta da mesa, havia alguns segundos de silêncio aguardando que a água subisse e o café descesse.  

Também contribuía para  o ritual. “Posso apagar a lamparina?”, perguntava a pedir autorização. Como se ontem não tivesse questionado e amanhã precisasse novamente de o fazer. 

Os adultos terminavam a refeição em beleza, saboreando aquele café. O filtro branco era retirado para ser limpo das borras (usadas para adubar a terra das plantas) e o balão voltava à cozinha.

Os lotes de café era cuidadosamente selecionados. Às vezes comprados na mercearia da terra, outras vezes vindos da Cafélia ou outras casas da especialidade em Lisboa ou no Porto.

Aqui, escolher a proveniência do café era dar uma volta ao mundo. Desenhava mapas e imaginava como seria a planta. Brasil, África… Timor. Mais Arábica ou mais Robusta.

Na dúvida, o lote da casa ou a mistura do costume. E lá vinha, sempre em grão, para moer na altura e manter a qualidade.

Beber um café em casa, naquele tempo, começava na escolha do lote e da torrefação, no tipo de moagem, da relação íntima com o processo - de transmutação da água numa bebida escura, amarga e energética - realizado num ritual em que todos comungavam da mesma experiência.    

O testemunho passou e o balão ainda existe. “Quando o rei faz anos” acontece a mesma magia, quase sempre para contar uma história aos mais novos e mostrar como o tempo de saborear um café tinha outro tempo, quando se manuseava e via o “produto”, agora encapsulado pelas marcas. 

O contacto com o “ingrediente” define a relação, de respeito e amor. A cor, o aroma, a textura.  A lamparina aquece a água e cumpre-se o ritual. “Sobe, sobe, balão sobe”. 

Sugestão musical: Sobe, sobe, balão sobe, versão de Coastel (The Voice Portugal 2022) de um tema de Carlos Nóbrega e Sousa, que representou Portugal no Festival da Eurovisão, em 1979 na interpretação de Manuela Bravo.


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