As queijadas de Pereira do Campo

A queijada acabada de sair do forno. Foto de Luís Neves

Conheço-as desde que me lembro de ser gente, como se fossem um membro da família. As queijadas de Pereira do Campo são aquele primo-irmão que vinha aos aniversários uma vez por ano e matávamos saudade.

Cresci com uma geografia doceira limitada mas inesquecível. Os mais desejados, ovos moles de Aveiro (por tradição vinham sempre da Peixinho),  as florestas da pastelaria Machado, nas Caldas da Rainha; os pastéis de Tentúgal, da Pousadinha e o pão-de-ló de Alfeizerão, de uma das duas casas que existiam à beira da estrada naquela localidade. Chegavam inesperadamente quando o meu pai ou tio passavam por perto destas terras nas deslocações de norte a sul. Nessa altura, quando o rei fazia anos, era dia de festa. 

As queijadas de Pereira do Campo e o pão-de-ló de Soure eram excepções, porque feitos em casa em dias especiais.

Contar as histórias do pão de ló na minha família dava um filme de comédia da Netflix. Lá irei um dia. Quanto às queijadas, implicavam haver queijo de cabra fresco. Saíamos de Monte Real, estrada do campo do rio Lis fora, em direção a casa de uma senhora - cujo nome não lembro mas sei ainda a localização da habitação se lá passar - que tinha cabrinhas e fazia queijo. 

A receita original de Maria Lemos da Cunha Matos

A receita é simples. Para o recheio, gemas, queijo cabreiro e açúcar, só; e para a massa, farinha, manteiga e água. Nada mais simples, sem truques ou segredos, assim se faz a melhor queijada do mundo. O mais sofisticado e característico sabor de um doce. 

Pereira do Campo é uma pequena localidade entre Montemor-o-velho, Coimbra e Tentúgal, na margem esquerda do Rio Mondego. A queijada é tão importante para a terra que até lhe fizeram uma estátua numa rotunda. É verdade, não estou a brincar. A história desta centenária queijada está na net e é fácil de encontrar. 

Qualquer dia do ano, mesmo sem pretexto festivo, é a altura certa para celebrar Pereira do Campo. Fi-lo por estes dias. Comprei um banal queijo de cabra fresco no supermercado, segui a receita adaptando as proporções ao tamanho dos queijos (os de venda agora são maiores do que os antigos) e, como não tenho formas individuais com formato adequado, usei uma tarteira grande. Soube-me a toda uma vida. Quem experimentou matou saudades ou, dada a “tenra” idade, apaixonou-se à primeira vista. Missão cumprida na passagem de testemunho.

Quando passo por Tentúgal gosto da dar um pulo à Casa Arménio, restaurante onde se come bons pratos de arroz do vale do Mondego e excelentes queijadas e pastéis. Aqui, sabem-me melhor do que na confusão dos paradores na beira da estrada. 

As queijadas da Casa Arménio em Tentúgal. Foto de Luís Neves

Quis o destino que enquanto misturava os ovos com o queijo atendi uma chamada do André e da Cristina, responsáveis da Associação Pro-Punk. De ouvido apurado pelos muitos anos de acuidade musical, perguntaram-me “Estás a bater ovos?”. Ri-me e expliquei que sim, admirado pela capacidade de adivinhar uma tarefa inusitada feita ao telefone apenas pelo som. Quem sabe, sabe! Por coincidência, também eles estavam na cozinha fazendo um pudim. Contei-lhes esta história de Pereira que aqui registo e ficou combinado que a sugestão musical desta publicação seria punk rock português. 

E foi desta forma que ao fim de tantas décadas a minha queijada de Pereira do Campo encontrou finalmente a sua banda sonora.    

Sugestão musical: Sopa, Censurados



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